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ARQUIVOS DO NAZISTA
Médico nazista foi empregado com registro em carteira de trabalho; documento era de amigo austríaco
Mengele trabalhou dez anos no Brasil
ANA FLOR
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Relatos do médico nazista Josef
Mengele revelam que ele trabalhou formalmente em duas empresas por pelo menos 10 dos 19
anos em que viveu no Brasil.
Numa carta ao amigo austríaco
Wolfgang Gerhard, de 22 de novembro de 1972, Mengele lamenta
ter sido demitido após cinco anos
como chefe de manutenção da
Melhoramentos, fábrica de papel
de Caieiras (SP). E planeja procurar outro emprego.
"Como agora posso comprovar
que tive dois empregos, um após
o outro, cada um por cinco anos,
como "chefe de manutenção", não
é problema achar um novo emprego, mas certamente o [problema será] escolher o "certo" para
mim; talvez porque eu então novamente -conforme o meu jeito- fique por lá eternamente."
A carta faz parte do conjunto de
85 documentos em alemão que
integravam os arquivos de Mengele apreendidos pela Polícia Federal em 1985 e aos quais a Folha
teve acesso.
O médico nazista comenta com
Gerhard que foi demitido durante
um processo de reestruturação
resultante de uma parceria com
uma empresa alemã de papel.
"Homem em ascensão"
Mengele conta que, em meio às
mudanças, ele se considerava em
ascensão. "Como o último falante
da língua alemã, eu praticamente
era o "novo homem em ascensão"
da nova firma. Infelizmente também tinha se transferido [para a
fábrica em Caieiras], há cerca de
um ano, o japonês Fabio".
Concluída a reestruturação,
conforme relato do médico nazista, o cargo que o então operário
almejava, de "gerente técnico", ficou para Fabio. "Claro que mais
cedo ou mais tarde o futuro diretor-técnico, que somente fala alemão, se dirigiria mais a mim -e
ignoraria o rosto asiático de meu
superior. Como já disse: fui o homem em ascensão; isso todos sabiam e naturalmente também sabia disso o meu amigo Fabio."
O médico conta que sua posição
de destaque teria levado Fabio a
tramar sua demissão.
A Melhoramentos, por meio do
executivo Sergio Sesiki, informou
à Folha que a empresa nunca
abrigou Mengele. Segundo ele, na
época em que a ossada do médico
foi encontrada no cemitério do
Embu, em São Paulo, surgiu a especulação do vínculo funcional.
"Isso nunca aconteceu. É o que eu
posso dizer dos nossos registros
formais e de relatos de antigos
funcionários."
Junto com os escritos, a PF encontrou uma carteira de trabalho
expedida em 1969 em nome de
Wolfgang Gerhard, o amigo austríaco que cedeu seus documentos ao nazista. O único registro de
emprego é de técnico industrial
na Oficina de Soldas Erich Lessmann, provavelmente do amigo
que, em seus escritos, o médico
trata como "Erich".
A carta de Mengele mostra ainda que, nesse período, o médico
se sentia muito confortável no
Brasil. Apesar do desejo de voltar
à Alemanha, ele receava não se
adaptar às mudanças.
Com a demissão, ele comenta
que teve a idéia de voltar. "Mas o
que nós afinal sabemos da Europa
hoje, além de que Willy Brandt
[chanceler da Alemanha] foi reeleito? [...] Um ritmo tão agradável
e tranqüilo e jovial como aqui no
Brasil provavelmente não existe
em lugar algum no mundo e não
estou disposto a abaixar a cabeça,
caso uma pessoa inferior queira
se impor", diz. "Embora que: fim
do provisório, de volta à pátria!
[...] Mas como é a pátria? E continua sendo a pátria? Não me acolherá como inimigo?"
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